Recital de Guitarra Clássica António Jorge Gonçalves


Em finais do Séc. XIX a guitarra tinha perdido muito da sua vitalidade que tivera nas gerações antecessoras, em que Sor, Giuliani, Carulli, e tantos outros brilhantes guitarristas gozavam de grande notoriedade.

É neste novo contexto de declínio e desinteresse em torno do instrumento que surge Francisco Tárrega (1852-1909), a quem se atribui, de forma meritória, o ressurgimento do interesse pela guitarra. Abrindo uma nova era de descobertas, as suas ideias exploratórias relativamente à técnica instrumental e a procura de novos efeitos e sonoridades, juntamente com a criação de um vasto repertório original e de transcrições para guitarra, fizeram-no granjear uma grande reputação. Como mestre da pequena forma, Tárrega compôs prelúdios, estudos e peças soltas. As suas Mazurkas, aqui reunidas, lembram a linguagem musical de Frederic Chopin. O círculo de ilustres admiradores, em torno de Tárrega, tem como seguidores e principais discípulos Miguel Llobet, Emílio Pujol, Daniel Fortea, Domingo Prat entre outros.

Emílio Pujol (1886-1980). Figura proeminente no universo da guitarra ao longo de todo o séc. XX. Guitarrista, musicólogo, compositor e pedagogo, Pujol é autor do célebre Método para Guitarra intitulado Escuela Razonada de la Guitarra, obra de referência no ensino do instrumento, em cinco volumes, baseado nos princípios da técnica de Tárrega.  A Pujol deve-se também a divulgação de um vasto repertório do Renascimento e do Barroco, praticamente desconhecidos até então, através das suas inúmeras publicações de transcrições para guitarra de obras de vihuela, guitarra barroca, alaúde, teorba… Uma grande parte da obra de Emílio Pujol encontra-se editada na Ricordi Americana, Buenos Aires e nas Editions Max Echig, Paris onde é Diretor da Bibliothèque de Musique Ancienne et Moderne pour Guitarre.

Os Estudios para Guitarra – Grado Superior, presentes neste programa, foram publicados pela Editorial Boileau, Barcelona e são uma compilação de cinco estudos presentes nos livros III e IV da Escuela Razonada aos quais se juntou o estudo VI de arpejos, em Mi m, também conhecido como estudo romântico e o estudo VII em Si m com motivos muito ao estilo andaluz.   

O Impromptu, dedicado à sua mãe, trata de representá-la fazendo renda de bilros à sombra de uma árvore frondosa. Esta obra foi iniciada em 1918, tendo sido interrompida e terminada posteriormente, após o falecimento de sua mãe em Janeiro de 1919, em sua memória e editada em 1929 pela Max Eschig, 

A Tonadilla é uma obra plenamente castiza ainda que mais ao estilo de Granados do que ao do neocasticismo de Rodrigo ou de Moreno Torroba. O Tango é uma obra aflamencada dedicada à sua mulher Matilde Cuervas, notável guitarrista de flamenco. A Seguidilla contém  ambos os elementos -castizos e aflamencados,- com aquela característica própria das Seguidillas do séc. XVIII, de uma introdução (que correspondia à guitarra de acompanhamento), seguida da entrada da voz mediante uma escala diatónica que conduz a harmonia desde a tónica à subdominante; o resto (estrutura, elaboração dos temas, etc.) afasta-se da forma canónica das Seguidillas do séc. XVIII, com detalhes tipicamente andaluzes que dão à obra um carácter bastante eclético e atrativo com um final intencionalmente brilhante.

Considerado o maior expoente do nacionalismo musical brasileiro, Heitor Villa-Lobos (1887-1959) foi também chefe de orquestra e multi-instrumentista, para além de compositor. Autor extremamente prolífero, a sua obra, onde é frequente encontrarmos elementos do folclore musical brasileiro, engloba concertos, sinfonias, óperas, bailados, suítes sinfónicas, peças e estudos. É com seu pai, Raul Villa-Lobos, diretor da Biblioteca do Senado e músico amador, que aprende a tocar violão (guitarra) e violoncelo. Aprende ainda a tocar clarinete e piano. É no entanto com os músicos de rua, tocando guitarra nos Chorões, também designados por Rodas de Chôro, que Villa-Lobos cultiva o seu interesse pela música popular brasileira.
O Chôro ter-se-á desenvolvido graças à apropriação das danças e músicas de salão trazidas para o solo brasileiro pelas comunidades europeias aí residentes. Essas músicas, tocadas por orquestras de cordas nos salões das classes mais favorecida do Brasil, como a Mazurka, a Valsa, o Schottish e a Gavotta, são adaptadas pelos músicos de rua com a introdução de ritmos africanos. Se bem que toda a sua obra para guitarra tenha sido publicada mais tardiamente (entre 1953 e 1955) a Suite Popular Brasileira foi escrita no Rio de Janeiro, durante a sua juventude, entre 1906 e 1912 tendo sido completada por um Chôrinho em Paris 1923.

Nota: É frequente a associação da figura de Tárrega com uma outra, de igual notoriedade, António de Torres (1817-1892), figura central no processo de evolução do instrumento, o que faz com que frequentemente seja apelidado de pai da guitarra moderna. Sabe-se no entanto que Tárrega para além das guitarras de Torres tocou também com guitarras de outros notáveis construtores como é o caso de Vicente Arias (1833-1914) e Enrique Garcia (1868-1922).

António Jorge Gonçalves 

Iniciou os seus estudos musicais na Academia de Amadores de Música de Lisboa, onde concluiu o Curso Geral de Guitarra na Classe de Piñeiro Nagy.
Entre 1981 e 1984 foi professor de Guitarra nessa instituição.
Em 1984 prossegue os seus estudos na Bélgica, no Conservatório Real de Bruxelas, onde obtém no mesmo ano o Primeiro Prémio de Guitarra.
No ano seguinte, como bolseiro da Secretaria de Estado da Cultura, prossegue os seus estudos no referido Conservatório, vindo a obter o 1º Prémio de Música de Câmara e o Diploma Superior de Guitarra, ambos com distinção.
Paralelamente, frequentou Master Classes de Guitarra em Budapeste, Utrecht e Roterdão e Santo Tirso, com David Russel; na Bélgica, em Alden-Bisen com Raphaella Smits; no Estoril com Alberto Ponce; em Colónia com Hubert Käppel e em particular com Odair Assad em Bruxelas.
Em 2012 conclui o Mestrado em Música no Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro. Em 2014 obtém o Título de Especialista em Música por unanimidade com menção honrosa.
Desde 1997, leciona Guitarra na Escola Superior de Música de Lisboa.